quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Simples assim

Um olhar. Uma brisa. Um sorriso.

Um pingo de chuva. Um raio de sol. Uma pequena nuvem.

Um risco. Um rabisco. Asterisco?

Aquele. O outro. Esse mesmo.

A vida. O amor. A gratidão.

Deus.

Somente. Sem mais. Tudo junto.

Pular o muro. Fugir na kombi. Mas não assaltar o caixa.

Dançar.

Dançar muito.

E esquecer. E lembrar. E fingir que não aconteceu.

E acreditar que aconteceu, mesmo não tendo acontecido.

Ou sim.

Respirar. E viver, viver muito. Ou viver pouco, mas bem.

Uma laranja. Uma banana. Ou nada disso.

A borboleta. O medo. Uma superação.

Foi-se. Vai-se. E volta.

A poesia.

A não-poesia.

Um olhar perdido. E um sorriso qualquer.

Simples assim. Ou difícil. Daquele jeito.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Bon día, Barcelona



No aeroporto lhe disseram que era fácil chegar à casa do amigo que ela nem sabia se estava à sua espera. “Basta pegar a linha 3 do metrô”. A informação veio em espanhol amável. Bom começo pra quem enfrentaria dias de catalão. Meio português, meio italiano, meio francês. “Definitivamente, língua latina”, sentenciaria dali a alguns dias. O guarda apontou com o braço esticado o caminho. Pessoas lendo as primeiras notícias da manhã, caras amassadas, fones de ouvido. Olhando para o nada, para os trilhos que não se vêem de dentro do vagão, aquela massa de gente às oito horas rumava para o trabalho. A vida segue no verão. Ela ansiava em ver a vida acontecer, em ir à praia. “Será que tenho coragem de fazer topless?”, cogitou.

O amigo se lembrava dela. Tinha se esquecido de deixar as chaves na caixa de correio. Toda viagem tem seus contratempos. Em cima da garupa da moto do anfitrião (coisa que nunca tinha pensado fazer) deixou os cabelos e o pensamento correr. Viu a Casa Batlló, parou na Sagrada Família. O moço queria logo impressioná-la. Não parava de falar da arquitetura de Gaudí, um catalão muito famoso. Só ficou mesmo na memória a cara do Cristo que a acompanhava onde fosse. Lembrou dos olhos da Mona Lisa. O Cristo encravado na entrada da igreja inacabada, com a cara pesada e grave, com a cara tão triste. E ainda nem tinha visto o outro lado da construção: a parte gótica. Sentiu calafrios.

O estômago roncava. Não achou graça nenhuma da comida francesa. Será que é por que comeu barato demais? “Se só o caro apetece, então não presta mesmo”, radicalizava. Naquela hora, até um brioche amanhecido servia. Descobriu as tapas. E a papas. Confundia toda hora. As papas vêm em tapas. Tudo vem em tapas, perceberia afinal. Tapas são porções. Papas, batatas. E como amou aquelas batatas com uma espécie de molho de alho com queijo. Dos pimentões verdes assados ainda sente o ardor. A boca enche d’água. Sim, preferiu a comida espanhola. Que os catalães não a ouçam generalizar.

Teve vontade de andar de bicicleta. Tantas bicicletas estacionadas. “Deveria me exercitar mais em Brasília”, sentiu pena. Usou o metrô. Satisfez a consciência pesada de tanta comida ao andar a pé. Seu senso de direção desusado rejeitou mapas e dirigiu-a a becos repetidos, ruas estreitas, muros de pedra, varandas abertas para o verão. Deixou-se vagabundear. Observou furtivamente transeuntes descolados, arranha céus deslocados.

No parque Guell, revisitou Gaudí. Agora, muito mais alegre. Em geral, não gostava de tanta gente reunida. Naquele dia, achou graça em tentar adivinhar o idioma falado pelo grupo ao lado. Ouviu um punhado de cantores de rua ensaiar garota de Ipanema. Percebeu um violoncelo ao longe. Passou não se sabe quanto tempo perdida entre jardins de mosaico, colunas e viadutos majestosos. Os minutos não contavam.

Teve tempo de olhar o mar do alto. Espiar os barcos. De lá de cima, imaginou os milhões de casais entrelaçados naquele instante em cada canto. Despediu-se do amigo, dos amigos do amigo. Prometeu encontros, telefonemas. Trocou endereços de e-mail. Mais um trem pela frente. Testaria seu espanhol em Madri.

Texto baseado em fotos de Monique Renne

terça-feira, 19 de maio de 2009

Movimento dos Sem Movimento















Numa tarde de quarta-feira, em abril, peguei a BR 174, saindo de Cuiabá para o interior do Mato Grosso. A viagem até meu destino tem cinco horas de duração, em média. Não fosse pelos buracos e desníveis da pista, o trajeto estava perfeito: nenhum (ou quase nenhum) caminhão na estrada e até o clima, sempre tão quente e úmido na região, ajudou, já que estava nublado e um tantinho mais fresco.

Peraí, nenhum caminhão na estrada? Até o motorista estranhou. Descendente de japonês, nascido em Marília (SP) e morador do Mato Grosso há mais de 20 anos, seu Mikió - que eu insistia, sem querer, em chamar de sr. Miyagi, o instrutor de Daniel-san no clássico Karatê Kid - era acostumado a fazer aquele percurso quase toda semana e disse não ser nada normal a falta de caminhões. De tempos em tempos, dava um sorriso alto e largo e bramava: “Estamos com sorte!”

Não era sorte; descobriríamos mais à frente, logo após passar por um posto de gasolina e ver cerca de 30 caminhões parados no pátio do posto. Logo após, também, parar em um posto na cidade de Cáceres e ouvir um zumzumzum entre brasileiros e bolivianos (Cáceres fica a 30 km da Bolívia) sobre um certo bloqueio na estrada. E logo após, finalmente, chegarmos ao tal bloqueio.

De longe, avistamos uma fila de carros e caminhões a perder de vista. Os motoristas, em pé, sentados na calçada, parados olhando para o tempo como o cara aí da foto, reunidos em grupinhos, até jogando um baralho. Uns balbuciavam reclamações, com semblante cansado ou preocupado. Outros arriscavam uma soneca, deitados em seus veículos. Mikió, devagarinho, foi ultrapassando quantos deu, já que a contramão estava livre, até que parou entre dois caminhões e resolveu descer para perguntar o que estava acontecendo.

Descobrimos o que sr. Miyagi já havia palpitado assim que vimos os veículos parados: era uma barreira do MST. Manifestantes do Movimento dos Sem-Terra bloquearam a rodovia, como parte do “abril vermelho”, em que eles fazem mobilizações e invasões no país todo para relembrar a morte de 19 integrantes do movimento, num confronto com a polícia militar, em Eldorado do Carajás (PA) há 13 anos. Os sem-terra também reinvidicavam o assentamento das famílias acampadas há mais de cinco anos às margens da pista e uma linha de crédito específica para a produção agrícola nos assentamentos.

Fiquei pensando no poderio que o MST adquiriu, à base da força, nos últimos anos. A interdição no Mato Grosso teve a presença de mais ou menos 130 manifestantes, que tinham em mãos enxadas e foices. A rodovia ficou fechada de sete da manhã às seis da tarde, com passagem liberada apenas para ambulâncias. A maioria dos carros desviou por uma estrada de terra; por isso, a barreira prejudicou principalmente aos caminhões. No fim, os prejudicados viram prejudicadores e sai todo mundo no prejuízo.

Minha sorte e de meu amigo japa seu Mikió foi que chegamos ao bloqueio às 17:30h e esperamos só meia hora para dar seguimento ao trajeto. Pior foi, aberta a rodovia, enfrentar aquele trânsito infernal e ultrapassar caminhões até chegar à cidade para onde íamos. Depois, fiquei sabendo de mais bloqueios nos dias seguintes. Na volta, pedi para viajar de noite e não correr o risco de ficar parada na estrada novamente.

O certo é que os movimentos “dos sem”, em geral, começam com uma causa nobre e acabam virando um monstrinho. Até entendo a máxima que diz “se não vai pelo amor, vai pela dor”, mas a violência e a insensatez fazem com que, no fim, alguém saia perdendo e não o contrário. O dos sem-terra é um movimento emblemático, mas dá para citar outros, como o dos sem-teto, sem-universidade e – pasmem! – dos sem fibra ótica, em Portugal. Até movimento dos sem-namorados inventaram agora. Esse, claro, nasceu como uma brincadeira, assim como o dos sem-praia.

Mas, do jeito que tá todo mundo doido, vai que eles inventam de se tornarem sérios. Vai que o dos sem-namorados resolve fazer barreiras aos restaurantes, hotéis e locais românticos em 12 de junho. Ou vai que o dos sem-praia sequestre os siris, por um pedaço de areia e mar. Hoje, quem não se filia, se arrelia. Vou me filiar ao Movimento dos Sem Movimento. Quero um movimento para mim também. Já.