quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Fale bonito, mas diga alguma coisa

A soma entre redes sociais, google e pseudo-intelectualismo resultou numa coisa, no mínimo, interessante. É que todo mundo virou poeta, sábio e filósofo – ou, pior, especialista em frases de efeito.

Por um lado é bom. Resgata-se personagens da História eventualmente esquecidos e fala-se (momentaneamente) mais bonito. Por outro lado, soa falso. Não confio em quem resolve falar de maneira rebuscada e não tem razão para isso. Nem em quem o faz sem o costume disso. Nem em caras de bigode.

Porque na vida não-virtual, não são assim (excluindo o cara de bigode, talvez). O ser humano médio atual não lembra mais de Confúcio. Talvez nem saiba quem foi Schopenhauer. Nem conhece as contribuições de Aluísio Azevedo para a literatura brasileira. Não me excluo tanto dessa conta – pode ser que saiba um pouco mais porque gosto do assunto e sou comunicadora, além de filha de um poeta, professor de língua portuguesa e amante da filosofia.

Mas, tudo bem, ninguém é obrigado a gostar ou saber de literatura ou filosofia. Há quem prefira a física quântica e ache beleza nas estruturas matemáticas em matrizes. E, ok, é seu direito postar uma frase carregada de sentimento no seu Facebook, como um velho “...que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure” – que, na minha opinião, perdeu a beleza depois de ter virado clichê – ainda que você não saiba quem é o autor, nem que isso é um soneto (muito menos o que é um soneto).

Nada mais natural do que querer compartilhar com amigos e conhecidos o que a gente gosta. Ressalte-se aí nessa frase o “gosta”. Porque existe o “parecer que gosta”, o que leva à tal enxurrada na rede de frases de efeito, vazias, descontextualizadas, que se tornam até simplórias de tão mal usadas.

Há ditos que falam por si só e exprimem a exata noção do que o autor queria transmitir. Outros só foram criados em função de acontecimentos específicos. Há ainda os que surgem exclusivamente das caraminholas dos pensadores. Porque os gigantes da literatura e da filosofia que me perdoem, mas até eles de vez em quando diziam “coisa com coisa”. Para mim, claro. Licença poética à parte e todas as licenças possíveis; sabe-se lá o que estavam pensando na hora em que escreveram.

Fato é que “Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão” – já que falei de Confúcio – não me quer dizer nada, a não ser o óbvio, quando publicado no Twitter de alguém que está preso em casa por causa da chuva, mora numa cidade que sofreu blecaute ou está deprê porque tomou um fora.

E Shakespeare que me perdoe, mas “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia” me soa como papo de bêbado em boteco do século XVII. A fala bonita parece inteligente, mas tirada de contexto não passa de meras palavras soltas. É por isso que não tem tanto sentido no seu Facebook quanto em Hamlet.

Mas a gente insiste em querer soltar as tais frases de efeito.

O mundo é como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos.” (essa é do Veríssimo, só para constar. Ah, sim, eu achei no google)

domingo, 4 de setembro de 2011

Ao mestre, com carinho


A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.

A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.

Fernando Pessoa
(in Cancioneiro )


Eu, Maria Clara e Letícia temos muitas diferenças, mas somos unânimes em reconhecer Chico Daniel como um grande mestre. Chico faleceu neste sábado, 03/09. Chico, nos encontraremos depois da curva.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Tenho medo!


Não entendo isso de exaltar a coragem e rechaçar o medo. Na minha experiência, a coragem muitas vezes foi temerária e o medo acabou se revelando prudente. É que o medo traz essa pecha de covardia, de despreparo, de insegurança. Bacana mesmo é ser seguro, firme, assertivo. Quanta bobagem.
Hoje, quando me pego com medo – e tenho sentido muito medo – respeito. Busco entender a motivação, penso, reflito enfim. Hoje sinto mais medo por que já fui de sentir muita coragem. De dar a cara à tapa, assumir a responsabilidade, aceitar desafios. Em algumas ocasiões deu certo, mas em outras foi desastroso.
Não é crise de arrependimento não, heim? que fique claro. É que essa ode à coragem me aborrece. Isso e essa nova onda de cupcakes. Que me desculpem os fãs, mas aqueles bolinhos são ridículos. Arrumadinhos, coloridos, cheios de chantilly e... pífios, carentes de sabor, pouco substanciosos e ruins como os ataques de coragem.
Ando com medo, cheia de novidades. Emprego novo, rotina nova, novos planos e outras cositas. Sou taurina, com quatro casas em touro. As mudanças me causam desconforto, portanto. Sinto-me hoje mais preparada para os desafios e ainda assim mais temerosa do que há seis ou oito anos. Ponho a culpa na experiência ou nas decepções? prefiro acreditar que existe espaço para o medo, para a insegurança. Mas é preciso coragem para senti-los.

sábado, 2 de julho de 2011

Como fui me apaixonar?

Momento de massagem matinal.



- Crio até lagarta, mas gato não. Era o que costumava dizer.
- Sou do tipo abobalhada, me identifico mais com os cachorros. Era a sequência da primeira frase.
Descobri que ambas as premissas estavam erradas. Sim, eu me identifico com gatos e não, não sou do tipo abobalhada (ao menos não totalmente). Há cinco anos, crio duas gatas.
Existe nos felinos uma altivez fascinante. Vivo a me perguntar quem é dono de quem nessa relação. Os gatos imprimem respeito, não imploram carinho, não precisam de nós.

Assim que as gatas chegaram até mim, tive pena. Tão pequenas, tão abandonadas, tão frágeis. - Não, não e não!!! Gritaram as bichanas em coro. Piedade nunca!!! - arremataram, fazendo-me lembrar do parentesco óbvio com o rei da selva.

Ao menos para mim, o amor e a admiração são indissociáveis. Admiro minhas gatas. Admiro a independência, a inteligência, a agilidade, mas principalmente a petulância. Isso de não me olhar de baixo para cima, de não suplicar pelo meu amor.

Na convivência diária com estes seres misteriosos, descobri que auto-estima é o melhor afrodisíaco que existe. Minha gata mais arisca acaba de soltar uma de suas pérolas.
- Ainda que você seja uma gata vira-lata, maltratada e faminta, olhe para o mundo com a cara de tédio que ele merece.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Fica quietinha pra gente gostar de você!!

A duras penas, me rebelo. Não por achar digno, nem por vontade de mudar o mundo. Rebelo-me por não saber fazer diferente. Invejo profundamente os que sabem calar, os discretos. A mim, entretanto, essa angústia amarga a subir pela garganta feito vômito em final de festa. É necessário colocar para fora, apesar do mal-estar, dos resíduos, da superexposição, do incômodo, enfim. Barthes diz que a linguagem é fascista, já que obriga a dizer. Pela necessidade de reconhecimento, diz ele, a linguagem se repete e cria os estereótipos. O sujeito, dentro desse raciocínio, é ao mesmo tempo mestre e escravo. Que diria Barthes, penso narcisicamente, se conhece uma pessoa que, além de estar sujeita à linguagem, sente intrinsecamente a obrigatoriedade de falar?
Toda essa reflexão é porque o amigo Danilo Almeida me mandou um link de um texto teoricamente bom. Qual não foi minha surpresa ao me deparar com pérolas machistas, jogadas a esmo, camufladas sob um texto bem escrito e cheio de referências alegres? Seguem alguns trechos que julguei chocantes.

“Atualmente, a relação da mulher com as coisas, retratada pelos veículos de comunicação, está no ápice de uma escalada da abstração. Se em determinado momento a relação era com o gigantismo do lar, depois passou a ser uma relação de amor e, logo em seguida, um ligeiro encontro com si mesma. Agora, a moda é uma relação que não é sexual, mas quase sem o sentido do toque apenas possibilitado pela intimidade. Chegou o momento de uma relação genital.
Percebo as jovens se encantando com os textos fáceis, ligeiros, quase que poéticos sobre relações, por vezes promíscuas – não quero parecer conservador – retratadas em blogs de mulheres que atingiram um bom nível de reflexão de suas experiências, mas se esquecem do fator individualidade.
É fundamental termos responsabilidade com o que colocamos na rede mundial de computadores”.

Enfim... fui lá e respondi ao autor, p da vida. Único comentário que criticou o texto até então. Adivinha quem pagou de reacionária, rebelde sem causa? Disseram até que eu “não li direito”. Eu não li?? Eu?? Reli três vezes, incrédula. Precisando sinceramente de um abraço nesse momento.

PS: Quem quiser conferir o texto completo a que me refiro, acesse. http://rodrigopael.blogspot.com/2011/06/das-revistas-femininas-aos-blogs.html#comments

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Essa semana aprendi que:

É essencial fechar as gestalts;
Existem fêmeas-alfa;
Nem tudo que é, parece;
A Lady Murphy existe (e é feia);
Focinho de porco não é tomada;

E por último:

Se o mundo acabasse amanhã e eu tivesse a oportunidade de fazer uma única pergunta para desvendar os segredos do universo, essa seria: Cachorro?!

Sem mais, porque hoje ainda é quarta-feira.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Metafísica

Buraco azul: elevação subaquática gigante. Mais aqui.



A mim não foi dado o benefício da dúvida, sempre respondo. Havia em minha mãe uma crença quase palpável. Deus era como uma parente distante que viria nos visitar um dia. Era Deus isso, Deus aquilo. Talvez por isso eu tenha essa fé estranha, titubeante. Não frequento templos, mas rezo. Vez em quando me pego dialogando como faria com a tal parente distante. Permeia meu cotidiano. "Ô vaguinha boa, meu Deus. Obrigada". Daí sinto vergonha. Falar de fé, de Deus, saber os ritos como sei, as orações indicadas. Sinto como se fosse inversamente proporcional à inteligência. Tenho receio de dizer. Percebo nos olhos dos outros que não é uma qualidade, tampouco um defeito, mas atesta contra mim. Um ponto para a ignorância, por assim dizer. Hoje acredito porque quero. Acho trangressor, inclusive, e bonito. Nada tem a ver com justiça e revanchismo, não. Não creio num Deus armado, disposto a dividir a humanidade entre vascaínos e flamenguistas. No meu imaginário ele figura como um jardineiro. No meio do caos, o danado deve continuar adubando suas flores, na esperança de que despertemos e façamos o mesmo. Segue o poema que mais gosto sobre o assunto, do Fernando Pessoa, assinando como Alberto Caeiro. Boa quaresma a todos.


"Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que ideia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

«Constituição íntima das cousas»...
«Sentido íntimo do Universo»...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora".

O Guardador De Rebanhos
Alberto Caeiro
08-03-1914

quarta-feira, 9 de março de 2011

Alegria?


Carnaval é um período de festas regidas pelo ano lunar no cristianismo da Idade Média. O período do carnaval era marcado pelo "adeus à carne" ou "carne vale" dando origem ao termo "carnaval". (Fonte: Wikipedia)

Carnaval é tempo de alegria, dizem. Vestindo ou despindo máscaras, fantasias ou abadas, são cinco dias de álcool, drogas, música, sexo e folia. É como se fosse emitida uma licença para o abuso. Na televisão, repetidas em espiral, propagandas nos dão conta de que subitamente todos nos tornamos crianças e não sabemos como nos portar. O tom é professoral. “Se beber, não dirija. Se dirigir, não beba”. “Sexo, só com camisinha”. “Use roupas leves e beba bastante água”. É isso. Tornamo-nos todos idiotas e já não sabemos como nos prevenir ou como beber adequadamente. E o pior é que estão certas as propagandas. Tenho a sensação de que nos tornamos idiotas durante o carnaval. Estive adoentada nesse feriado e apenas na terça-feira de carnaval é que saí de casa com o propósito de aproveitar a folia. Fui ao carnaval de rua de Brasília, o famoso Pacotão. Farei um relato sucinto de acontecimentos que julguei bizarros, embora sejam corriqueiros durante a festa.
- Um conhecido de anos, casado, pai de duas crianças, sussurrou saliências em meu ouvido quando fui cumprimentá-lo. Bizarro.
- Duas moças muito bonitas, com músculos torneados, pediram gentilmente para que eu parasse de brincar com minha espuma (aquela de jogar para cima) caso não quisesse apanhar. Bizarro.
- Cinco marmanjos, juntos, se achavam no direito de tecer comentários a respeito da aparência de todas as mulheres que passavam por perto, acompanhadas ou não.
Enfim... bizarro. Fico feliz que tenha acabado. Agora é tempo de contabilizar os mortos em acidentes de trânsito, overdoses, bebedeiras, ataques cardíacos e afins. Feliz ano novo!
Rodovias federais têm 189 mortes em cinco dias.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Contadora de histórias (II): A arte não tem preço




Numa segunda-feira chuvosa de janeiro, a Lapa – berço da boemia carioca – estava vazia. Nada daquela pândega que costuma tomar suas ruas estreitas de terça a sábado. Nada de samba, nem de calor. Mas a alegria estava lá.

E eu também. Sentada em um dos bares da avenida Mem de Sá, o copo à minha frente não era de cerveja; era refrigerante mesmo. Olhar perdido nos pingos que escorriam dos casarões antigos, pouco restaurados, restantes do Brasil Colônia, em contraste com
os prédios espelhados, modernos, que surgiram na região nos últimos tempos. A música de fundo era um chorinho, que ecoava das caixas de som presas às paredes coloridas, estampadas com motivos cariocas.

Embalada pela leveza das férias, sonhava acordada. Sonhava com a arte, a música, a literatura, que pairavam como nuvens espessas na atmosfera daquele bairro, que já abrigou intelectuais e artistas como Machado de Assis e Villa-Lobos. Quisera eu ser artista também, ou ao menos intelectual. Quisera eu ter nascido na virada do século XX e andado por aquelas ruas do Rio antigo.

O que me fez despertar do sonho foi uma figura, quase como um vulto, que caminhava na chuva – torrencial, agora – em direção à varanda onde eu estava, aquela do bar, do chorinho, dos motivos cariocas. Mais do que à varanda, vinha em minha direção. Ao se aproximar, percebi que se tratava de um morador de rua, vestido em farrapos, exalando um forte odor de suor. Trazia em mãos fiapos de folhas grandes, como de bananeira (no meu leigo entender sobre plantas), enrolados em ramos, bem direitinho. E uma faca no bolso, da qual só se via o cabo e uma parte do aço.

Parou à minha frente, olhei bem suas feições, um pouco temerosa a respeito do motivo que o levou até ali. Sem me retribuir o olhar, levou a mão a uma sacola de plástico amarrada à bermuda jeans suja e, antes que eu percebesse, estendeu um objeto. Longe de querer que vocês pensem que era uma faca, tal qual a que ele levava no bolso, me apresso em dizer: era uma bela “rosa”, talhada nas folhas da suposta bananeira.

Ao que aceitei aquele presente, ele desenrolou outra folha e sacou a faquinha do bolso; começou a, habilidosamente, formar uma figura naqueles retalhos vegetais. Em menos de um minuto, me esculpiu um peixe. Talvez entusiasmado pelo meu sorriso ao perceber o talento com que fazia sua arte, se esmerou em dar forma de um gafanhoto a outras duas folhas verdes. Impressionada com a destreza do rapaz e vidrada na maneira com a qual ele transformava plantas em arte...

Espera, quero só fazer uma ressalva quanto a essa última frase. Vamos excluir da discussão o fato de que:

I) Plantas já são uma arte da natureza;
II) Não se destroem plantas a fim de fazer uma “arte”.

Bem, impressionada com a destreza do rapaz e solidarizada pela sua “situação de rua”, como nos obrigam a dizer os opressores capatazes da forma politicamente correta de falar as coisas, perguntei quanto valia seu trabalho. Mais que prontamente, ainda sem levantar o olhar e sem parar de manusear suas folhas e faca, me respondeu:

- A arte não tem preço.

Percebi sinceridade naquela fala e não só uma humildade impositiva que te faz ficar com pena e dar um dinheiro qualquer. O que aquele rapaz queria era mostrar sua arte.

Procurei na bolsa. Em dinheiro, tinha 20 reais e 20 centavos. Preferi dar os 20. Reais. Mais caro que minha conta no bar, restrita a um refrigerante e um potinho de manjubinhas com limão. Mas, aquela arte valia a dignidade do rapaz. Feliz com o agrado, me fez mais uma rosa e pela primeira vez me lançou um olhar, de agradecimento. Foi embora, de volta pela Mem de Sá alagada pela chuva recém-passada.

Voltei a divagar sobre a arte, a música e a literatura, ladeada por duas rosas, um peixe e um gafanhoto feitos de folhas grossas verde-amareladas. Não sem antes pensar: será que o escultor de plantas ficou mais feliz pelos 20 reais ou por ter sua arte admirada por pelo menos uma pessoa naquela noite? Nas condições em que se encontrava, certamente, pelo dinheiro. Mas, na minha inocente concepção de mundo, preferi acreditar na segunda hipótese.


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Elegância sem frescuras

Lendo o post anterior, da Ana, comecei a pensar no quanto a gente perde tempo com frescuras. Ao morar aqui na Indonésia, percebi que o que mais me faz falta são coisas simples: bife com batata frita, dividir a mesa de trabalho com uma colega querida e comer pão de queijo com café açucarado no intervalo, ir ao CCBB no domingo com algum amigo mal-humorado, mas extremamente companheiro.

Eu sempre fui daquelas que todos conhecem por ir direto ao ponto, meio bruta demais, sensível de menos, definitivamente sem frescuras. Mas, em alguns momentos, eu procurei encontrar um traço de delicadeza. Uma vontade de ser mais sutil, um pouco suave, elegante até. Aí, fuçando na blogosfera, achei um texto que explica o que eu queria ser. É assim:




"JEITO DE SER

Existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, esteja
cada vez mais rara: a elegância do comportamento.

É um dom que vai muito além do uso correto dos talheres e que 
abrange bem mais do que dizer um simples obrigado diante de uma gentileza.

É a elegância que nos acompanha da primeira hora da manhã até a
hora de dormir e que se manifesta nas situações mais prosaicas, quando
não há festa alguma nem fotógrafos por perto.

É uma elegância desobrigada.
É possível detectá-la nas pessoas que elogiam mais do que criticam.
Nas pessoas que escutam mais do que falam. E quando falam, passam
longe da fofoca, das pequenas maldades ampliadas no boca a boca.
É possível detectá-la nas pessoas que não usam um tom superior de voz
ao se dirigir a frentistas. Nas pessoas que evitam assuntos constrangedores porque não sentem
prazer em humilhar os outros. É possível detectá-la em pessoas pontuais.

Elegante é quem demonstra interesse por assuntos que desconhece,
é quem presenteia fora das datas festivas, é quem cumpre o que promete
e, ao receber uma ligação, não recomenda à secretária que pergunte
antes quem está falando e só depois manda dizer se está ou não está.

Oferecer flores é sempre elegante.
É elegante não ficar espaçoso demais.
É elegante não mudar seu estilo apenas para se adaptar ao de outro.
É muito elegante não falar de dinheiro em bate-papos informais.
É elegante retribuir carinho e solidariedade.

Sobrenome, jóias e nariz empinado não substituem a elegância do gesto.
Não há livro que ensine alguém a ter uma visão generosa do mundo, 
a estar nele de uma forma não arrogante.
Pode-se tentar capturar esta delicadeza natural através da observação,
mas tentar imitá-la é improdutivo.

A saída é desenvolver em si mesmo a arte de conviver, que independe
de status social: é só pedir licencinha para o nosso lado brucutu, que
acha que com amigo não tem que ter estas frescuras.
Se os amigos não merecem uma certa cordialidade, os inimigos é que
não irão desfrutá-la. 

Educação enferruja por falta de uso. E, detalhe: não é frescura".

Texto de Martha Medeiros, escritora e colunista do Zero Hora, de Porto Alegre, e O Globo, do Rio de Janeiro. Tem mais aqui.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Arroz e feijão, por que não?




Esses dias a Maria Clara, que está lá na Indonésia, colocou no facebook assim: Temos feijão! Achei tão bonitinho. Eu nunca morei fora do país, mas sei que feijão faz falta. Aliás, ô coisinha que faz falta é aquele feijãozinho de mãe, cozido no dia e tostado no alho. Quem já passou sua época de estudante movido a miojo sabe o quão saudoso pode ser um feijão. Ontem, o caderno Equilíbrio da Folha de São Paulo trouxe uma matéria deliciosa sobre comida sem frescura. Uma verdadeira ode à simplicidade. O texto trazia lá um movimento de reação à arrogância gastronômica e um guia da culinária ogra, escrito pelo crítico de cinema André Barcinski. Só filé, com perdão do trocadilho. Entre os preceitos dos tais restaurantes ogros, Barcinski citava pérolas tais como:

“1 - Não pode ter nome começando por “Chez” ou terminando por “Bistrô”
2 - A comida precisa ocupar ao menos 85% da área total do prato (com preferência a iguarias com uma taxa de ocupação de mais de 100% dos pratos, como bifes que caem pelas bordas dos pratos)
3 – Não pode ter “chef”, e sim “cozinheiro”.
4 – Não pode ter “menu”, e sim “cardápio”
5 – Algumas palavras estão terminantemente proibidas nos cardápios. A presença de qualquer uma delas significa exclusão imediata da lista. São elas: “nouvelle”, “brûlée”, “pupunha”, “espuma”, “lâmina”, “lascas” e “contemporânea”

E por aí vai. A idéia é acabar com aquele excesso de explicação. Dizem que os poemas devem ser sentidos antes de serem entendidos. Acho que, com relação à comida, vale a mesma lógica. Mas, apesar de adorar comida simples, acho importante buscar uma alimentação saudável. Coincidentemente, ontem também foi publicada uma pesquisa dizendo que o consumo de junk food pode trazer queda no Q.I. das crianças. Acho meio óbvio. Comer porcaria em fase de crescimento não deve trazer um resultado tão positivo, certo? Enfim... seguem links úteis sobre o assunto. A matéria da Folha sobre culinária simples e também sobre a pesquisa. E ah... depois de twitar tanto sobre arroz e feijão, acabei sendo seguida pelo Arroz Tio João. É isso, minha gente! Tem um saco de arroz me seguindo! KKK!

>>>Estudo relaciona dieta de 'junk food' a Q.I. baixo
>>> Comida sem frescura

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

CALOR!!!

Foto: Mary Leal

Pessoal, calor de derreter ossos no Distrito Federal. Achei umas piadinhas a respeito e essa imagem histórica, foto tirada no aniversário da cidade em 2009, quando dezenas de pessoas se refrescaram no espelho d'água em frente ao museu da República. Um aceno de mão a todos porque, sinceramente, não aguento abraçar ninguém!

Segue discrição do Climatempo.

Tempo no Momento
Temperatura: 29°C
Pressão: 1019hPa
Direção do Vento: NE
Intensidade do Vento: 12 km/h
Condição: Muitas nuvens
Umidade: 45%

Piadinhas!
Brasília só tem duas estações no ano: Verão e Inferno;
Acho que o tal buraco da camada de ozônio fica logo em cima do Congresso;
Campanha Brasília solidária: Doe 15 graus para NY;
O centro da terra é um vulcão que desemboca em Brasília.
Frente fria aqui só dá pra sentir quando o corpo está molhado em frente ao ar condicionado.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Da lama ao caos

Pois a dor destrói o louco, e a inveja mata o tolo. Jó 5:2


Chico Science foi uma morte precoce das mais dolorosas. Lembro de ter ficado uns dois minutos sem ação, olhando para o nada. Tava aqui pensando nele. Em uma frase que meu amigo Yusseff diz sempre. O Yusseff é um aloprado que largou tudo em Manaus e veio para Meca, vulgo Brasília. A frase é a seguinte: “Recife é um balaio de caranguejos”. Em princípio não entendi, mas o Yusseff explicou. É que quando os caranguejos estão presos no balaio e um deles tenta escapar, os outros o puxam para baixo. Assim, todos ficam na mesma merda.
Hoje tenho a sensação de que estou no balaio de caranguejos. Ando contente. Simples assim. Contente, feliz. O que já apareceu de caranguejo me puxando de volta para o balaio não está no gibi. Culpar a inveja, embora seja fácil, sempre me parece complicado. Parece prepotente e, no fundo, até meio besta. Enfim... zapeando por aí encontrei um texto excelente sobre o diálogo existente entre as músicas do Chico Science e Josué de Castro, intelectual recifense que “mapeou o drama da fome no Brasil”, segundo sua página oficial. Segue o trecho, encontrado no blog Morada Boa e, lógico, a música para vocês curtirem. E, como diria Zé Simão, hoje só amanhã que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Josué de Castro chama de “ciclo do caranguejo”, ou ainda “ciclo da fome”:
“São duzentos mil indivíduos, duzentos mil cidadãos feitos de carne de caranguejos. O que o organismo rejeita volta como detrito para a lama do mangue para virar caranguejo outra vez.Nesta aparente placidez do charco desenrola-se, trágico e silencioso, o ciclo do caranguejo. O ciclo da fome devorando os homens e os caranguejos, todos atolados na lama.” (CASTRO, 2007: 27)




quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A revolta do telefone

Esses dias uma camarada veio até a minha sala dizer que sim, eu estava certa, havia mesmo baratas dentro do meu telefone. Disse isso numa naturalidade absurda, quase como se mascasse chicletes. O ministério é tomado por baratas, para quem não sabe. É preciso conviver com elas. É, portanto, uma realidade absurda. O final feliz, para os revoltados como eu, é a escrita. Quando tomam corpo, as palavras ficam importantes. É como se assumissem um cargo de confiança. Ando lendo Bukowski - Misto Quente, para ser clara. Fico pensando em como ele descreveria o barulho das baratas dentro do telefone. Já me peguei reescrevendo frases dele só para senti-las minhas. Tem uma, em especial, que sonho ter escrito. “Eu não disse mais nada porque, quando você sente ódio, a última coisa que deseja é suplicar...”.
Fiquei calada quando o camarada disse: - o telefone funciona, só posso trocá-lo se estiver quebrado.
Meu final feliz, nesse caso, é ler Bukowski e sentir nojo do telefone.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Intuição, acreditar ou não??


Essa história de intuição é uma faca de dois legumes. Tudo bem: temos lá mecanismos estranhos de captação da realidade. Ocorre que ficar o tempo todo xaropando, com frases do tipo “sinto isso, sinto aquilo”, é das coisas mais chatas da história. E tem outra: nossos sentidos falham. Os olhos falham, o tato falha, o paladar falha...Por que essa história de que a intuição é infalível? Infalível uma ova! Eu já ouvi mil vezes, de amigas e de mim mesma, coisas do tipo: “eu sinto que ele é cara certo” ou “sinto que ainda teremos algo”. Minha gente, isso não é intuição, isso é vontade! Acho que intuição é justamente o oposto disso. É aquela coisinha insuportável que, no meio de um jantar lindo, incorpora o grilo falante e diz: “Hum... aí tem treta!” ou “Segura que lá vem!”. É isso! Para diferenciar intuição de vontade, me pego com meus santos e mando logo a história de “dê-me sabedoria para distinguir uma da outra!”. Enfim, estou desabafando. Ando cansada de ver amigas repetindo os mesmos erros e usando o argumento da sensibilidade para se esquivar. Na verdade, ando cansada da associação das palavras intuição com feminina. Homem também tem intuição, ou não? Acho um desserviço para as mulheres essa ligação entre gênero e sensibilidade. Ainda acredito que haja mulheres racionais e homens sensíveis.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Meta para 2011

Ano começa e a gente faz planos. Os mesmos de sempre. Ou totalmente diferentes. E vamos nos esquecendo deles ao longo dos 12 meses até a hora de traçar novas velhas promessas.

Nesta passagem de ano, me peguei pensando no quanto a gente costuma tratar bem as pessoas que não conhece direito. Faz cerimônia, não solta pum, arroto nem pensar. Pede licença, desculpas e o que mais achar que vale a pena para bem tratar.

Mas com o amigo de infância, a mãe, o marido, a vizinha de muito tempo, a gente abre logo a geladeira, põe o pé na mesa e confunde intimidade com desleixo. E o desleixo vira malcriação, falta de paciência, desenrola em carinho só de vez em quando e acaba com aqueles casais que nem se olham na hora do jantar, filhos que não suportam seus pais, pais que evitam seus filhos.

Nesse ponto, as pessoas mais íntimas se tornam as mais distantes e não reconhecem mais o sofrimento e a dor de quem está logo ao lado. Aí, o marido se emociona com a notícia de jornal sobre uma família vítima de enchente, a mulher chora ao ver um menino de rua, mas ambos perdem a capacidade de ter compaixão um pelo outro e se sentem sozinhos, ainda que acompanhados. Você também já ouviu essa história?

Pois é. Pensando nisso, fiz uma nova promessa de ano novo. Deixar de lado a velha meta de ser uma pessoa melhor. Isso mesmo. Uma pessoa boa para o mundo, para os mais pobres, para a gente miserável que passa na tevê e para a minha consciência.

Então, no lugar de doar R$ 20,00 para a moça da creche sei lá o que, que me liga insistentemente, ou transferir uma grana para os desabrigados do Haiti, eu prometo ser generosa com quem estiver bem pertinho. Com meu companheiro de cama e dia a dia, que eu vejo de cabelo desarrumado, que não enxuga a louça mesmo que eu peça mil vezes, que odeia que eu roa as unhas. Prometo ver o que ele tem de melhor e ouvir tudo o que ele não vai me dizer. Prometo tratar com mais paciência a minha irmã que liga de longe e despeja todos os problemas dela em mim. Prometo me lembrar de que ela não tem outra pessoa com quem reclamar. Prometo ligar pra minha avó todo domingo e contar como anda a vida, mesmo que nada de novo tenha acontecido, e mandar postais para aquela tia que sempre pergunta de mim e pra quem eu nunca tenho tempo de enviar notícias.

Prometo ser menos severa com os erros de sempre do meu pai e juntar dinheiro para viajar 30 horas e visitar minha mãe; levantar uma grana para pagar aquela viagem para Araxá que minha tia-avó nunca fez e abrir uma vaquinha para socorrer um tio mal aventurado. Prometo fazer um calendário com as datas de aniversários dos amigos mais queridos e ligar para cada um deles, mesmo que seja de madrugada aqui do outro lado do mundo, ao invés de mandar uma mensagem pelo facebook. Prometo pagar minha promessa um pouquinho a cada novo dia desse novo ano.

Porque, por mais que repitam por aí, é preciso lembrar cotidianamente que a vida não espera ninguém pra acontecer e o que se leva daqui é o que se aprende, o que se ensina, o que se sente.

Táticas de conquista



Quando voltei à vida de solteira, logo me deparei com um dilema. Ter opinião ou fazer cara de paisagem quando algum carinha te diz uma frase sem noção? Logo optei pela primeira alternativa. Depois de alguns meses, entretanto, tive que rever minhas estratégias. Primeiro por que o mundo anda tão permeado de gente sem noção que, optando por confrontá-los, é provável que você fique discutindo a noite toda. Depois por que entendi que é necessário dar uma segunda alternativa aos homens. Eles andam confusos e freqüentemente dizem melecas. Aquela chegada linda, onde o camarada sabe exatamente o que dizer, tem piadas inteligentes, te faz sentir interessante, é sexy na medida... aquilo é raro, muito, muito raro. Se eu fosse fazer uma estimativa, diria que acontece em menos de 2% das vezes.
Portanto, no afã de “socializar” um pouco mais, decidi ser um pouco mais tolerante. Fiquei pensando, cá com meu lado crítico, que eu tinha era baixado a guarda, ou o padrão, se preferirem. Mas esses dias, assistindo ao Discovery Channel, descobri que essa minha tática é padrão entre as mulheres. De acordo com a pesquisadora Martin Hazelton, da Massey University, a ciência diz o seguinte: qualquer leigo é capaz de dizer se, no jogo da paquera, um homem está interessado em uma mulher. O contrário, entretanto, não é verdadeiro. As mulheres dão corda na linha, deixam o camarada falar. Assim, é muito difícil saber se elas estão verdadeiramente interessadas ou não. A explicação é simples. No primeiro momento, o homem está interessado no básico: se a mulher é bonita, se está em forma, se é sexy, etc. A mulher não. Desde o primeiro momento, ela dá aquela conversadinha, quer saber se o fulano é bacana, se não é um idiota. Enfim... nosso desejo não é tão linear. Resumindo, nossa amiga Emle tem uma frase ótima: os homens se conquistam pelos olhos e as mulheres, pelo ouvido. Não é tão simples, mas é por aí.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Imediatismo já!


Concordo plenamente com a Mafalda...tão bom se tudo fosse mais rápido. Começar a estudar para concurso e passar na primeira prova que se faz. Entrar na academia e estar em forma no dia seguinte. Dar o pé no bofe e estar curada dentro de seis horas. Colocar aparelho nos dentes e ter o sorriso perfeito em duas horas. Por enquanto, no aguardo das inovações tecnológicas.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Alegria súbita

O mundo hoje parece maravilhoso.
E o melhor é que não sei por que.
Não há um novo amor, não há um novo emprego, nenhum novo amigo, nenhuma novidade cheia de luz.
O mesmo, o mesmo.
Mas tudo parece diferente.
Vai ver é por causa do ano novo.
Toda possibilidade parece se abrir diante de mim.
Posso?-pergunto. Sim, posso.
Há uma alegria surda na possibilidade.
Muitas não se concretizarão.
Muitas serão botões mortos antes de se abrir.
Mas elas existem, insistem em existir.
É isso, então, a felicidade?
Essa possibilidade de se alegrar com o mesmo?
As novidades são raras e passageiras.
A grande felicidade é o mesmo.
Esse mesmo denso, massudo, pesado.
É ele que nos faz.
É o que fomos, o que somos e o que seremos.
Hoje, subitamente, esse mesmo me parece maravilhoso.
Minhas mesmas pernas que já foram mais firmes.
Meus braços, minhas mãos.
Tudo que me é familiar.
O eterno gosto por café.
Os dedos finos e ágeis que quase nunca encontram anéis.
Tudo costumeiro, permeado dessa mesmice boa.
Um brinde.
Brindemos ao mesmo, esse que continuará.
Sempre.