sexta-feira, 20 de março de 2009

Entre a ironia e a indiferença

Achei o livro jogado em um armário do trabalho. Me interessei porque era um livro de mangá e o prefácio trazia instruções sobre o manuseio da obra. Como se tratavam de desenhos, não foi possível inverter a ordem da escrita oriental que, ao contrário da nossa, se faz da direita para a esquerda. Coisa esquisita, como se vê. Peguei o livro e parecia que estava lendo de trás para frente. O estranhamento passou rápido. A leitura foi tão boa que quando vi estava lendo da direita para a esquerda como se tivesse nascido no Japão.

A obra conta a história verídica de um escritor japonês que foi preso em 1994 por porte ilegal de armas. O sujeito tinha mania de fazer tiro ao alvo em latinhas no quintal de casa. Minha primeira surpresa foi essa então. Porte ilegal de armas, ainda que a pessoa seja réu primário, tenha residência fixa, passado ilibado, família, periquito e papagaio, dá cadeia no Japão. O camarada pegou três anos. E todo o livro conta a rotina do tal escritor nesse período de reclusão. Tudo minimamente desenhado a bico de pena, com impressões, detalhes, ruídos e todo um cenário que se transporta para a realidade do leitor.

Foi assim que Na Prisão, de Kaizuchi Hanawa, surpreendentemente adentrou a lista dos melhores livros que já li. O bom do relato é que não existe sofrimento nem juízo de valor. A simples rotina da cadeia, o acordar, o amanhecer, a passagem dos feriados e principalmente a comida. Como cada detalhe é esmiuçado, aos poucos fui entendendo e me incorporando da rotina descrita por ele. O casaco que segura o frio no inverno japonês, o banho de quinze minutos feito a cada dois dias, as cuecas com barbante de amarrar e todo um cotidiano, um cenário claro, nítido.

Muito diferente do que temos aqui, a cadeia é bem organizada e o escritor dividiu a cela com outros quatro presos, todos minuciosamente descritos. Em algumas ocasiões, Hanawa chega inclusive a agradecer por ser tão bem tratado apesar de ser um "criminoso". O sistema é rígido a ponto de os detentos precisarem chamar o carcereiro e pedir por favor para apanhar um lápis que caiu. Existem as posturas permitidas e as não permitidas. É proibido, por exemplo, deitar antes do horário de dormir. O melhor de tudo, reafirmo, é a postura do narrador, que fica entre o irônico e o indiferente. Recomendadíssimo.

Crédito
Hanawa, Kaizuichi.
Na Prisão/ Kazuichi Hanawa;(tradução Drik Sada).
São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005.

Título Original: Keimusho no naga.
ISBN 85-7616-129-X