segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Tributo à Nina

Aquela voz de manhã e eu já não preciso de muito. O som aveludado, firme, voz de mulher que canta. Quando ela chega lá em casa existe uma certa deferência, um respeito. Acendo incenso, coloco as coisas no lugar. Agora sim, Nina... pode entrar. Escuto sem cantar junto. É que as músicas, depois de cantadas por ela, já não querem pousar em um lábio qualquer. Escuto calada enquanto ela debruça sua voz negra ambiente adentro.
Nascida em 23 de fevereiro de 1933, Nina Simone é considerada um ícone do jazz mundial. Na verdade seu estilo é tão misto que nem sei se é certo chamar de jazz. Não bastasse a performance dramática e voz indefinível, a moça também emprestou sua fama a causas nobres como a luta contra o racismo. Sua personalidade cáustica cativou os mais exigentes públicos em todo o mundo. Morreu em 2003, dois anos antes de nos conhecermos.
Uma vez me disseram que o céu é exatamente como imaginamos que será. Mas depende do que imaginamos, entende? pode ser um apanhado de nuvens com anjinhos ou um jardim com flores ou qualquer coisa que se queira. Desde que soube disso, imagino vários paraísos possíveis. Um dos meus preferidos é uma salinha pequena, com amigos íntimos. No canto tem um piano. É Nina quem toca, rindo escancarada e soltando verdades como quem solta bolhas de sabão.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

De bailarina a b-girl

Ai, me descobriram.

Confesso, sou uma dançarina. De balé? Não, bem que tentei. Plié, cambré, arabesque, battement arrondi. Era demais pra mim. Muita força e delicadeza, disciplina e postura, tudo ao mesmo tempo.

Resolvi descambar pra um tipo de dança menos complexa: street dance, a dança de rua. Sim, estou sendo sarcástica; a dança de rua é tão difícil quanto o balé. Lock, pop, break, freestyle. Isso significa giros de corpo, saltos, chutes, balanço de tronco e ombros. Ainda é demais pra mim. Mas, agora, em todos os sentidos.

A batida do baixo e da discotecagem, o movimento marcante, preciso, simétrico ou não, a expressão do corpo e do rosto, a cultura que veio do gueto, tudo isso me cativou. Percebi que a dança de rua é um estilo de vida: nas roupas, no linguajar, nas músicas. Passei a conviver com o rap, o hip hop, MC's, DJ's, b-boys e b-girls, batalhas de dança, seqüências de coreografias quase impossíveis de se fazer (isso me lembra alguma coisa... seria o balé?).

Dizem que o balé é a transformação de uma dança primitiva - baseada em instintos - em movimentos coreografados, com ligações e gestos elaborados. A dança clássica exige rigidez e forma. No street, também há técnica, mas o que importa mesmo é o estilo e a atitude de quem dança. Há liberdade em fazer os movimentos, cada um pode criar o seu. São movimentos coreografados com a volta dos instintos.

A dança de rua é quase como um espasmo. Voluntário ou não. Faz querer dançar mesmo sem saber.

E aí, vamos de pas de deux ou de break?



Antes que perguntem, não estou no vídeo; foi só para exemplificar. Essa é Yeya, uma dançarina sueca que dá workshops de street dance.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Conselhos para um coração partido

O coração partido queria saber do amigo que nunca se metia em encrencas o que fazer para não doer.

­_ É só não amar, respondeu o amigo.

_ Mas isso não é possível, retrucou o coração partido.

Não convencido e nem satisfeito com a simpleza da resposta, o coração partido insistiu em saber os detalhes da experiência acumulada no peito do amigo, que assim o aconselhou:

_ Basta bater devagarinho, evitar os descompassos. Disparar, nem de vez em quando. Também não é bom abrir-se muito. Use o bom senso. Em momentos de felicidades intensamente passageiras, não há que se fechar, que nenhum ventrículo agüenta uma vida sem aventuras. Mas também não vá cultivar esperanças, planos que envolvam outro coração causam até ataque cardíaco. Não precisa guardar mágoa, encerrar-se em pedra. Indispensável mesmo é armazenar em cada cavidade um pouco de incredulidade, desapego e egoísmo.

Longa pausa. Longo suspiro

_ Acho que é bom doer, concluiu o coração partido, disposto a partir-(se) em outras.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Desejos de Natal

Esse vai diretamente para o meu marido. Primeiro natal como casada, sabe como é. Elaborei uma lista de possíveis presentes, a escolher. Coisas que só ele pode me dar.
1)Roupa espalhada pela casa;
2)Amigos para o almoço, sem avisar;
3)Cerveja no copo de cristal (não podia ser copo americano?);
4)Sujeira de bicicleta no meio da casa;
5)Sovaco fedidinho de manhã;
6)Chute da madrugada, sem querer. Serve tapa também;
7)Alergia de barba na cara e no pescoço;
8)Cd´s com a capa trocada;
9)Torcida de flamenguista contra o meu Vasco;
10)Barulho de liquidificador e panela às seis da manhã;
Enfim, todas essas pequenas coisas que fazem de você a pessoa que eu amo. Não mude nunca, por mais que eu peça. Mas olha, se não achar nada disso no shopping, pode ser o som do carro ou então aquele criado-mudo para que eu possa ler à noite e te atrapalhar a dormir.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Férias da Ana

A Ana tirou férias do trampo e, pelo jeito, do blog também. Hum, minha vez de postar, então. Até porque, semana que vem, sou eu quem entra de férias. Férias, inclusive, do computador.

Calma, não estarei na selva. Mas férias são férias, né?

Ainda não estou refém do computador ao ponto de trocar uma bela praia, um passeio, um pôr-do-sol, por uma postagem num blog, uma checagem de e-mail ou uma verificada no orkut.

É... sem Letícia por um mês. Para alguns, um martírio. Para outros, um alívio.

Paz.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A nossa casa é em todo lugar

Quem é que fala com esse sotaque? Eu não puxo mais o erre, eu puxo o erre aperrtado e falo porrta quando minha vó está do lado. Ela aprovaria meu erre sem aperto? Ela reconheceria esse erre estrangeiro? Quem então fala com esse erre sem sotaque? Esse erre com sotaque capital? Foi minha irmã que disse, Eu não nego minhas origens. Quais são minhas origens? Minha vó disse, Goianas. Meu pai disse, Holandesas. Holandesas? Minha vó é mineira, meus bisavós mineiros. Mineira, eu? Eu não reconheço as ruas da minha cidade natal. Elas mudam de mão. Minha pátria é a língua. Quero falar muitas.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Não dê pérolas aos porcos

É incrível como o ser humano não muda. O que as pessoas são capazes de fazer por fama, dinheiro, prestígio, dinheiro, poder, dinheiro... já mencionei dinheiro?

É incrível como essas coisas (ou a falta delas) pode despertar a má-fé no mais bem intencionado pobre (ou rico) mortal.

Tá, vai, posso estar generalizando. Posso estar divagando sobre um lugar-comum. É só que parei para pensar nessas coisas dia desses por causa de uma pérola.

É, uma pérola. Uma pérola e um cara mexicano que eu nem conheço. Aliás, que nem existe. Só existiu na cabeça de uma cara que morreu há 40 anos. Ou não.

Explico: Ganhei um livro chamado A Pérola num sorteio literário. Ele conta uma história, baseada num conto popular mexicano, sobre um pescador que encontrou a maior pérola do mundo. Essa descoberta desperta nele e nas pessoas que moram no povoado desejos e sentimentos hostis. O pescador começa a ficar paranóico, achando que todos estão atrás de sua perolona. Talvez até estejam ou talvez seja somente delírio dele. O certo é que o texto traz à tona a inocência das pessoas que acreditam que a riqueza soluciona todos os problemas.

O autor dessa história: Jonh Steinbeck, escritor norte-americano, vencedor de um Nobel de Literatura.

Embora o livro - na verdade, é um livretinho de bolso, de mais ou menos 100 páginas - tenha sido lançado em 1947, a história não é nada desatualizada, muito menos tem a ver somente com a sociedade da época. Né?

Alguns dizem que ela evoca o socialismo, como muito da obra do autor. Mas isso é papo para outro dia. Só sei que, em muitos momentos da minha leitura, me senti angustiada, confesso. A história expõe segredos da natureza humana e conseqüencias de sair dos padrões morais e éticos.

Vale a pena ler, não demora mais que uma hora.
STEINBECK, John. A pérola. 26. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Colheres amigas

Gosto de pensar que eu era transgressora, embora meu pai me chamasse de danada e minha mãe de desobediente. O fato é que tinha essa alergia terrível e grande parte da minha rotina e da rotina dos meus pais era tangida pelas normas que ela impunha. Tinha a hora do remédio, da vacina, do banho de permanganato, da pomada e de um tanto de coisa. Mas na minha cabeça de criança isso nunca importou muito. Eu até achava legal quando tinha que aplicar vacina na escola. Meus coleguinhas me olhavam com aquela cara estranha enquanto eu fincava a seringa na coxa na maior naturalidade. Me sentia o próprio rambo.

A coisa só ficou ruim quando o médico proibiu qualquer derivado de leite. Sem bolo, biscoito, queijo, iogurte e requeijão eu passava fácil. Mas na hora que o médico decretou a sentença terrível tudo que vinha na minha cabeça era sorvete e chocolate. E quanto mais eu pensava que não podia sorvete e chocolate mais eu tinha vontade de sorvete e chocolate. Para piorar a situação, meus irmãos mais velhos se tornaram os próprios agentes do DOI-CODI lá em casa.“Mãe, a Ana engoliu um chocolate” ou então “Tem papel de bombom na mochila dela”. Os irmãos mais velhos são sádicos por natureza, deve ter um gene que explique isso.

A coisa foi ficando insuportável porque a minha mãe avisou na escola que eu não podia comer nada de leite. Para meu desespero, o diabo do médico tinha razão. Minha pele foi ficando cada vez melhor. Quanto mais eu melhorava da alergia mais eu pensava: “Putz... agora lascou tudo. Nunca mais como chocolate”.

A salvação veio em um dia de tarde. Comprávamos pão em um mercadinho perto de casa. Lá vendia sorvete, mas todos já estavam devidamente avisados sobre a proibição terrível. Um dia fui comprar pão e notei que o esquema do sorvete era meio falho. O refrigerador ficava no fundo da loja e precisávamos chamar alguém para extrair as preciosas bolas de sorvete. Ocorre que não havia tranca nem nada. Chamávamos a moça e ela vinha com a colher e a vasilha. Pronto! Captei a mensagem do cosmos salvador.

No outro dia fui comprar pão com uma colher no bolso. Era só abrir o refrigerador e zap!!! Colher no pote, colher na boca, colher de volta no bolso! Tudo muito rápido, frações de segundo, quase uma Schumacher. Era só uma colherada porque tenho ética. Eu sabia que não podia babar na colher e colocar ela de volta no pote. Aí descobri que minha casa tinha várias colheres. Só precisava sair de mansinho porque aquele tanto de colher chacoalhava e fazia um barulho danado. A alergia persiste, hoje muito mais branda. Não me arrependo não. De que vale a infância sem sorvete?