sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Conheci Saramago no cinema


É verdade. Já tinha ouvido dizer, lido alguma coisa a respeito sobre o celebrado escritor português, mas foi com o filme do Fernando Meirelles, Blindness, que eu conheci José Saramago. O fime é baseado no livro Ensaio sobre a Cegueira do escritor português.

Começou assim: uma colega de trabalho enviou um e-mail com o título: ensaio sobre emoção. Não eram mensagens irritantes de power point sobre como a vida é bela e que me fariam ganhar na loteria caso infernizasse mais 3.457 outras pobres alminhas. Era um vídeo gravado pelo filho do Meirelles durante a sessão do filme mostrada a Saramago. Nele, o escritor português se emociona e até parece deixar cair uma lágrima ao ver o resultado baseado na sua obra.

Saramago já disse numa das milhares de entrevistas que deu e, me perdoem, não lembro onde foi que eu li, que não era não uma lágrima. Não chegou a tanto. Era um cisco? O repórter não perguntou.

O fato é que o vídeo é mesmo um ensaio sobre emoção e convida imediatamente a ver o filme. E o filme é tão intenso, tenso também e ao mesmo tempo bonito que eu me apaixonei pelo Saramago. É claro que o Meirelles é muito bom diretor, para conseguir fazer a literatura virar cinema de um jeito tão tocante. Mas a história ainda é do Saramago.

E ela é assim: de uma hora para outra as pessoas começam a ficar cegas. Do nada. Um homem está no trânsito, o sinal fecha. Ele pára. Não vê mais.

A cegueira não é comum, é uma cegueira branca em que não se vê nada além de um branco infinito. Os médicos não sabem nada a respeito da doença que se espalha rápido e ameça, amedronta as pessoas . Os primeiros doentes são trancafiados numa espécie de hospital abandonado sem qualquer tipo de tratamento. Abandonados à própria sorte, afloram os traços mais perversos e também os mais generosos de cada um. Sem saber ou poder viver sós, os cegos precisam viver em bando. Precisam do contato social, da ajuda, do apoio, do contato do outro. Para o bem e para o mal. Só a mulher de um oftalmologista não é infectada. E sofre por ver o que que vê.

A metáfora me assustou e me convenceu: Saramago é muito bom. Meirelles eu já sabia. Por causa do impacto que o filme causou em mim, não quis ler o Ensaio sobre a Cegueira, quis me distanciar dele, não ver a cara da Juliane Moore na personagem da mulher do médico. Não ouvir os sons do filme no livro.

E foi aí que numa viagem rápida de fim de semana, estávamos eu e umas primas dentro do carro, a mais nova delas – tem 15 anos quase completos- deixou cair da bolsa um livro fino, desses que a escola manda a gente ler pra ver se tomamos gosto pela coisa. É cheio de metáforas, disse ela, Não entendi. Olhei a capa. Era Saramago. O conto da ilha desconhecida. Em quarenta minutos de estrada, não ouvi as animadas conversas das primas. Minhas retinas não se descolaram das páginas. Era um conto de amor. Fala da vida, de burocracia , de ir atrás de sonhos e de amor.

Um homem sem nome que visita um reino sem nome. Perspicaz, o homem convence o rei sem nome a atender seu pedido de dar-lhe um barco para ir atrás de uma ilha desconhecida. E nessa atitude aparentemente corajosa, a mulher sem nome , que abre as portas do castelo, se apaixona pelo homem e decide, sem volta, deixar o palácio pela porta das decisões. Ela decide que o barco dele era dela e que ela era dele.

Mas até as decisões mais decididas se confundem diante da incomunicabilidade dos sentimentos. Nesse trecho, os dois – homem e mulher sem nome - estão já dentro do barco, juntos e separados:

“ ...a luz (da vela) cresceu lentamente como faz o luar, banhou a cara da mulher, nem seria preciso dizer o que ele pensou, É bonita, mas o que ela pensou, sim, vê-se bem que ele só tem olhos para a ilha desconhecida, aqui está como as pessoas se enganam nos sentidos do olhar, sobretudo ao princípio”.

Mais à frente, escreve:
“...o sonho é um prestigitador hábil, muda as proporções das coisas e as suas distâncias, separa as pessoas, e elas estão juntas, reúne-as, e quase não se vêem uma à outra, a mulher dorme a poucos metros e ele não soube alcancá-la, quando é tão fácil ir de bombordo a estibordo. Tinha-lhe desejado felizes sonhos, mas foi ele quem levou toda a noite a sonhar”.

E agora eu já passei pela porta das decisões a caminho de mais Saramago.

Mais:
Ficha técnica de Blindness/Ensaio sobre a Cegueira: Título Original: Blindness Gênero: Drama Tempo de Duração: 120 minutos Ano de Lançamento (Brasil / Canadá / Japão): 2008.
Blog do filme
Livro: SARAMAGO, José. Conto da ilha desconhecida(o). Sao Paulo: Companhia das Letras, 1998. 62 p.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O google interior

Um dia desses, me vi em maus lençóis. Fui para uma pauta e levei o material nosso de cada dia: bloquinho, caneta e gravador. Claro, afinal, pra cobrir um assunto que você não entende nada, nada melhor do que não perder nenhuma vírgula do que a fonte fala! Beleza.

Acabada a reunião, já era mais de meio-dia, então deixei para escrever a matéria depois que voltasse do almoço. Tranquei na minha gaveta as preciosas falas escritas no bloco e gravadas no aparelhinho digital. "Vai ser fácil, anotei umas frases muito boas", pensei. E fui almoçar em casa.

(Pausa dramática)

Nunca, mas nunca mesmo, deixe todas suas chaves num mesmo molho. Sim, porque se você perder uma, perde todas. Se esquecer uma, esquece todas.

Voltando ao trabalho, depois do almoço em casa, fui abrir a gaveta com meu material para fazer a matéria e... cadê a chave? Revirei minha enorme bolsa prata, tirei tudo de dentro: óculos, agenda... ops, esqueci que não se revela o que há em uma bolsa de mulher. Enfim. Tudo. Tudo e nada. Tudo revirado e nada da chave da gaveta. Como vou fazer a matéria, sem minhas preciosas anotações? Voltar pra casa era praticamente impossível. A matéria tinha que sair logo (afinal, eu já tinha perdido um tantinho de tempo indo almoçar fora do trabalho).

Não me restou outra saída a não ser recorrer ao google interior. Sim, porque, não preciso repetir que nos tempos atuais, com toda a tecnologia a nosso dispor, nós jornalistas nos acostumamos a gravar, digitar e digitalizar, procurar informações na rede. Tudo é muito mais fácil. Eu, pelo menos, já comecei na carreira dispondo das novas tecnologias e me acostumei com elas, claro.

Só que, naquele momento, as tecnologias estavam trancadas na gaveta ao meu lado. Que aflição. Como disse, recorri ao google interior: minha própria cachola. Fechei os olhos e tentei lembrar de tudo o que foi dito na reunião. Cliquei em alguns neurônios, percorri os links das minhas sinapses, abri algumas páginas mentais. Devagar, os dedos foram percorrendo o teclado do computador. Depois, mais rápidos. E mais. "Putz, lembrei de uma fala ótima". E outra. E outra. Finalmente, consegui terminar a matéria. Não é que ficou boa?

Não é que esse tal de google interior funciona mesmo?

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Sobre chocolates e seus estranhos poderes

Era um dia desses em que o universo resolve te dar um agrado. Tinha acabado de sair do banco e vi a placa de uma chocolateria. Entrei. "Me vê um café e um chocolate desse aí de coração, por favor". A moça trouxe. O dente correu macio o primeiro naco de chocolate. Dentro da boca aquele frenesi das papilas gustativas. “Ave Maria!!Ave Maria, o que é isso?? Milagre, milaaagre!” Levantei e fui até a balconista.
- O que é isso que eu comi?? (Silêncio)
- Como??
- O que tinha dentro desse chocolate?
- É gianduia.
Como eu não sabia o que era gianduia e a moça já me achava maluca o suficiente, passei a supor aqui comigo. Gianduia. 1)árvore indiana. Dizem que se o sumo de suas folhas for misturado a chocolate, este terá o estranho poder de ser um doce emagrecedor. 2)espécie de orgasmo industrializado vendido sob a forma de chocolate. 3) Tudo que é feito com amor. Refere-se à lenda do casal indiano Gian e Duia. 4) vasilha grande onde se guardam os temperos do mundo.
Aí um dia me disseram que gianduia era uma mistura de chocolate e avelã. E eu:
-Avelã?? Aquela noz?
-É!
Isso sim que é mágica!