terça-feira, 2 de junho de 2009

Bon día, Barcelona



No aeroporto lhe disseram que era fácil chegar à casa do amigo que ela nem sabia se estava à sua espera. “Basta pegar a linha 3 do metrô”. A informação veio em espanhol amável. Bom começo pra quem enfrentaria dias de catalão. Meio português, meio italiano, meio francês. “Definitivamente, língua latina”, sentenciaria dali a alguns dias. O guarda apontou com o braço esticado o caminho. Pessoas lendo as primeiras notícias da manhã, caras amassadas, fones de ouvido. Olhando para o nada, para os trilhos que não se vêem de dentro do vagão, aquela massa de gente às oito horas rumava para o trabalho. A vida segue no verão. Ela ansiava em ver a vida acontecer, em ir à praia. “Será que tenho coragem de fazer topless?”, cogitou.

O amigo se lembrava dela. Tinha se esquecido de deixar as chaves na caixa de correio. Toda viagem tem seus contratempos. Em cima da garupa da moto do anfitrião (coisa que nunca tinha pensado fazer) deixou os cabelos e o pensamento correr. Viu a Casa Batlló, parou na Sagrada Família. O moço queria logo impressioná-la. Não parava de falar da arquitetura de Gaudí, um catalão muito famoso. Só ficou mesmo na memória a cara do Cristo que a acompanhava onde fosse. Lembrou dos olhos da Mona Lisa. O Cristo encravado na entrada da igreja inacabada, com a cara pesada e grave, com a cara tão triste. E ainda nem tinha visto o outro lado da construção: a parte gótica. Sentiu calafrios.

O estômago roncava. Não achou graça nenhuma da comida francesa. Será que é por que comeu barato demais? “Se só o caro apetece, então não presta mesmo”, radicalizava. Naquela hora, até um brioche amanhecido servia. Descobriu as tapas. E a papas. Confundia toda hora. As papas vêm em tapas. Tudo vem em tapas, perceberia afinal. Tapas são porções. Papas, batatas. E como amou aquelas batatas com uma espécie de molho de alho com queijo. Dos pimentões verdes assados ainda sente o ardor. A boca enche d’água. Sim, preferiu a comida espanhola. Que os catalães não a ouçam generalizar.

Teve vontade de andar de bicicleta. Tantas bicicletas estacionadas. “Deveria me exercitar mais em Brasília”, sentiu pena. Usou o metrô. Satisfez a consciência pesada de tanta comida ao andar a pé. Seu senso de direção desusado rejeitou mapas e dirigiu-a a becos repetidos, ruas estreitas, muros de pedra, varandas abertas para o verão. Deixou-se vagabundear. Observou furtivamente transeuntes descolados, arranha céus deslocados.

No parque Guell, revisitou Gaudí. Agora, muito mais alegre. Em geral, não gostava de tanta gente reunida. Naquele dia, achou graça em tentar adivinhar o idioma falado pelo grupo ao lado. Ouviu um punhado de cantores de rua ensaiar garota de Ipanema. Percebeu um violoncelo ao longe. Passou não se sabe quanto tempo perdida entre jardins de mosaico, colunas e viadutos majestosos. Os minutos não contavam.

Teve tempo de olhar o mar do alto. Espiar os barcos. De lá de cima, imaginou os milhões de casais entrelaçados naquele instante em cada canto. Despediu-se do amigo, dos amigos do amigo. Prometeu encontros, telefonemas. Trocou endereços de e-mail. Mais um trem pela frente. Testaria seu espanhol em Madri.

Texto baseado em fotos de Monique Renne