quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Boba, eu???

Uma vez briguei com meu pai e me lembro bem da reação dos meus amigos e do meu então marido à época. Eles me pediam ira quando, na verdade, o que eu trazia no peito era uma mágoa profunda e dolorosa. Isso acontece sempre. Ainda hoje, pela manhã, tomava café com amigos e uma delas me disse: “eu não acredito que você fez isso. É por isso que as pessoas não te respeitam”. Esse tipo de frase, que mais parece uma sentença, sempre aparece na minha vida. Vinda de vários lugares distintos, em ocasiões distintas, em momentos diferentes. Naquela primeira ocasião que relatei, quando briguei com meu pai, uma grande amiga perguntou o que poderia fazer para ajudar. “Por favor, não me cobre indignação, eu disse. Não sou capaz disso agora”. Na verdade, quando deixo que a raiva escoe, lido com uma espécie de arrependimento estranho. Estranho porque acredito que aquela era a reação mais digna, por assim dizer, mas me envergonho muito de tê-la cometido. Sou capaz de indelicadezas e mesmo de maldades, mas não sem perder a paz.

No caminho do meu crescimento, quando estiver realmente desapegada das percepções alheias, espero sentir liberdade. Liberdade para expressar isso de delicado em mim, ainda que piegas. Liberdade para expressar o meu afeto, ainda que o objeto dele não se importe. Amar exige coragem. Não apenas para se lançar mundo afora. Coragem para sentir. Cisão máxima da vida, o amor divide trajetórias em antes e depois. O que resta do amor, quando findo, é o que amedronta. A devassa interior, a desordem, o vazio. É justamente nesse ponto que acredito ser incompreendida. Não é falta de senso crítico ou de estima. É que sempre me orgulho de ter amado. De ter deixado de lado meus penduricalhos de medo e trauma e abraçado a esperança. Isso de olhar para o agora, numa atitude absolutamente conectada com o presente. Falo de amor em lato sensu, englobando aqui também o sentido de amizade. Não sou boba, não. Só não aceito me privar de amar por uma decepção qualquer.

PS: Não, não estou triste. Não, não levei um fora (agora). Foi só isso de me chamarem de boba que incomodou. Me acho espertona. Devo ser boba mesmo.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Fale bonito, mas diga alguma coisa

A soma entre redes sociais, google e pseudo-intelectualismo resultou numa coisa, no mínimo, interessante. É que todo mundo virou poeta, sábio e filósofo – ou, pior, especialista em frases de efeito.

Por um lado é bom. Resgata-se personagens da História eventualmente esquecidos e fala-se (momentaneamente) mais bonito. Por outro lado, soa falso. Não confio em quem resolve falar de maneira rebuscada e não tem razão para isso. Nem em quem o faz sem o costume disso. Nem em caras de bigode.

Porque na vida não-virtual, não são assim (excluindo o cara de bigode, talvez). O ser humano médio atual não lembra mais de Confúcio. Talvez nem saiba quem foi Schopenhauer. Nem conhece as contribuições de Aluísio Azevedo para a literatura brasileira. Não me excluo tanto dessa conta – pode ser que saiba um pouco mais porque gosto do assunto e sou comunicadora, além de filha de um poeta, professor de língua portuguesa e amante da filosofia.

Mas, tudo bem, ninguém é obrigado a gostar ou saber de literatura ou filosofia. Há quem prefira a física quântica e ache beleza nas estruturas matemáticas em matrizes. E, ok, é seu direito postar uma frase carregada de sentimento no seu Facebook, como um velho “...que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure” – que, na minha opinião, perdeu a beleza depois de ter virado clichê – ainda que você não saiba quem é o autor, nem que isso é um soneto (muito menos o que é um soneto).

Nada mais natural do que querer compartilhar com amigos e conhecidos o que a gente gosta. Ressalte-se aí nessa frase o “gosta”. Porque existe o “parecer que gosta”, o que leva à tal enxurrada na rede de frases de efeito, vazias, descontextualizadas, que se tornam até simplórias de tão mal usadas.

Há ditos que falam por si só e exprimem a exata noção do que o autor queria transmitir. Outros só foram criados em função de acontecimentos específicos. Há ainda os que surgem exclusivamente das caraminholas dos pensadores. Porque os gigantes da literatura e da filosofia que me perdoem, mas até eles de vez em quando diziam “coisa com coisa”. Para mim, claro. Licença poética à parte e todas as licenças possíveis; sabe-se lá o que estavam pensando na hora em que escreveram.

Fato é que “Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão” – já que falei de Confúcio – não me quer dizer nada, a não ser o óbvio, quando publicado no Twitter de alguém que está preso em casa por causa da chuva, mora numa cidade que sofreu blecaute ou está deprê porque tomou um fora.

E Shakespeare que me perdoe, mas “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia” me soa como papo de bêbado em boteco do século XVII. A fala bonita parece inteligente, mas tirada de contexto não passa de meras palavras soltas. É por isso que não tem tanto sentido no seu Facebook quanto em Hamlet.

Mas a gente insiste em querer soltar as tais frases de efeito.

O mundo é como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos.” (essa é do Veríssimo, só para constar. Ah, sim, eu achei no google)

domingo, 4 de setembro de 2011

Ao mestre, com carinho


A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.

A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.

Fernando Pessoa
(in Cancioneiro )


Eu, Maria Clara e Letícia temos muitas diferenças, mas somos unânimes em reconhecer Chico Daniel como um grande mestre. Chico faleceu neste sábado, 03/09. Chico, nos encontraremos depois da curva.