quinta-feira, 22 de março de 2012

O motivo da tristeza

Fui à casa de minha mãe logo cedo para devolver as chaves do carro. Ela perguntou por que eu estava triste. Disse que era sono. O vigilante do trabalho perguntou, antes de cumprimentar, por que eu estava triste. Disse que era gripe. Ao meio dia, no refeitório, duas colegas perguntaram o que eu havia feito da Ana. Disse que a engoli e tomei o seu lugar. Depois do almoço, fui buscar um café na copa. As copeiras perguntaram se eu estava bem. Esgotei o arsenal de respostas. “Estou triste”, disse, “mas passa”. Elas perguntaram por que.

- Deus, entendi o recado. Favor acalmar os ânimos do seu exército de anjos. Resolvi ficar alegre, mas fique o Senhor sabendo que é por preguiça pura. Ficar triste é trabalhoso demais.

quinta-feira, 15 de março de 2012

O dia em que não fiz a prova do Senado

O destino da prova era diametralmente oposto à minha casa. Atravessaria a cidade toda para fazê-la e tinha febre. Gripe. Não me sentia preparada. Não tinha estudado o suficiente. Não via sentido em fazer uma prova para ganhar experiência. Não queria encontrar os amigos, teoricamente mais bem-sucedidos que eu, abarrotados de papéis e apostilas rabiscadas, lidas e relidas à exaustão. Não queria pensar no valor pago pela inscrição nem nas desculpas que daria a quem me perguntasse se fui bem. O corpo mole, as pernas vacilantes e a tosse estranhamente me traziam a sensação de estar viva, de pertencer àquele corpo doente, perecível. Tinha medo também. De encarar talvez o que muitos colocam como objetivo maior de suas vidas, ainda que momentaneamente. Medo de gritar ao mundo que eu não me importava com a prova do Senado. O salário é tão alto e tão superior às necessidades básicas que é um vexame não almejá-lo. Compra sonhos. Quem não quer é, no mínimo, preguiçoso.

Há três ou quatro meses, a cidade se dividiu. De um lado, os esforçados, responsáveis, comprometidos com seu crescimento. De outro, os fanfarrões, encostados em um salariozinho qualquer. De todos os lados, respingava em mim aquele sentimento de cobrança. Busquei explicações. Estava me sabotando? É mediocridade esse desânimo para estudar? Ainda não sei as respostas. Sei que naquele domingo fazia sol, a cidade estava coberta de um amarelo lustroso e convidativo. Eu sei, eu sei... muitos outros dias de sol virão. Sei também que perderei o sossego um dia, rangendo os dentes diante de uma prova qualquer, seja do Senado ou não. Sei que olharei para os aprovados conhecidos com a certeza de que eu poderia estar ali. Muitos serão os sofismas. “Eu estou satisfeita com o meu emprego atual” ou “Tenho que resolver a vida já?” ou até “Na verdade acho os salários ofensivos e injustos e não quero compactuar com isso”. Em todas as argumentações, parte é verdade.

O que incomoda é essa sensação de não ter feito o que deveria. E quando meu nome constar na lista de aprovados? Poderei então cumprimentar parentes e amigos com a sensação de ser uma pessoa respeitável? Terei aquele olhar de quem chegou lá? Plasmarei aquela áurea de opulência e satisfação? Terei jóias, roupas de grife e uma prestação da casa própria? É isso, então, o que me espera quando adentrar a lista dos que venceram? Continuo sem saber as respostas. Sei que naquele domingo escolhi um bom restaurante e um bom prato. Pedi sobremesa também. Perguntei ao garçom se ele achava que eu merecia e ele respondeu que sempre. Pode ser que esteja acomodada mesmo. Pode ser que esteja feliz.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Boba, eu???

Uma vez briguei com meu pai e me lembro bem da reação dos meus amigos e do meu então marido à época. Eles me pediam ira quando, na verdade, o que eu trazia no peito era uma mágoa profunda e dolorosa. Isso acontece sempre. Ainda hoje, pela manhã, tomava café com amigos e uma delas me disse: “eu não acredito que você fez isso. É por isso que as pessoas não te respeitam”. Esse tipo de frase, que mais parece uma sentença, sempre aparece na minha vida. Vinda de vários lugares distintos, em ocasiões distintas, em momentos diferentes. Naquela primeira ocasião que relatei, quando briguei com meu pai, uma grande amiga perguntou o que poderia fazer para ajudar. “Por favor, não me cobre indignação, eu disse. Não sou capaz disso agora”. Na verdade, quando deixo que a raiva escoe, lido com uma espécie de arrependimento estranho. Estranho porque acredito que aquela era a reação mais digna, por assim dizer, mas me envergonho muito de tê-la cometido. Sou capaz de indelicadezas e mesmo de maldades, mas não sem perder a paz.

No caminho do meu crescimento, quando estiver realmente desapegada das percepções alheias, espero sentir liberdade. Liberdade para expressar isso de delicado em mim, ainda que piegas. Liberdade para expressar o meu afeto, ainda que o objeto dele não se importe. Amar exige coragem. Não apenas para se lançar mundo afora. Coragem para sentir. Cisão máxima da vida, o amor divide trajetórias em antes e depois. O que resta do amor, quando findo, é o que amedronta. A devassa interior, a desordem, o vazio. É justamente nesse ponto que acredito ser incompreendida. Não é falta de senso crítico ou de estima. É que sempre me orgulho de ter amado. De ter deixado de lado meus penduricalhos de medo e trauma e abraçado a esperança. Isso de olhar para o agora, numa atitude absolutamente conectada com o presente. Falo de amor em lato sensu, englobando aqui também o sentido de amizade. Não sou boba, não. Só não aceito me privar de amar por uma decepção qualquer.

PS: Não, não estou triste. Não, não levei um fora (agora). Foi só isso de me chamarem de boba que incomodou. Me acho espertona. Devo ser boba mesmo.